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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Samsara

Sinto-me em um filme.

A rotação anti-horária da câmera revela suas espaldas firmes que apontam em minha direção. Ainda neste instante, em segundo plano, meus olhos fixos e inexpressivos encaram a sua fronte que até então ainda não se vê.
O meio do caminho desse movimento visual é marcado pelo encontro de frente a frente, ou apenas, dois perfis, a esquerda, você, a direita, eu.
Agora no fim do movimento rotatório, o ponto de vista revela o cotovelo da minha destra, despreparado. Ao fundo, o cano de sua arma parece imóvel esperando pelo momento exato para se movimentar em reação ao seu ódio que intenta me amar.
Sempre ouvi dizer que é neste momento que a epifania ocorre, ou nas palavras de muitos, eu deveria ver a vida passando diante dos meus olhos.
Para mim não, parece uma preocupação inútil que, das poucas vezes que já as tive, enojei-me e bastaram para me cansar.
Agora estou concentrado na gota de suor que escorre em minha têmpora.
Consigo escutar o som desgraçado de moscas sobrevoando algum lugar perto da minha cabeça, embora não consiga enxergá-las.
Espero pelo último comentário enquanto aproveito a mobilidade da minha canhota para tomar o esperado gole de cachaça, da cachaça que já tinha pago, eu achava, mas não me lembrava ao certo.
Sem dúvida havia pago pelas outras doses, as outras doze. Quero dizer, eu achava.
Confesso, porém, que ver eu mesmo em uma situação tão desagradável não me havia jamais passado pela cabeça.
Ter a dúvida se conseguiria ou não sentir o gosto daquela aguardente que tanto aguardei. Aliás, sentir o gosto eu já quase não me importava, o que queria mesmo era poder virar aquele copo em um movimento brusco.
Então, não tão de repente, um barulho ensurdecedor que faria os irritantes voos das moscas soarem como as ninfas sereias do harem de Atlântida tomou conta do ambiente.
A situação da dúvida me ocorre novamente.
Não sei se foi o disparo.
Ou se simplesmente decidi virar o copo e caí no chão.
Ou talvez as duas coisas.

Novamente reconheço-me por aquela ressaca levando pontadas do questionamento "o que aconteceu?" à minha cabeça infantil.

Simplesmente, não fora nada demais, somente saíra do útero.

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